O Crachá
Meses atrás pediram para a gente aqui no trampo tirar uma foto 3x4 em uma parede branca, e ao ser questionado sobre o que era, avisaram que era para um crachá.
Então o pessoal começou a tirar as fotos, e chegou a minha vez. Na hora perguntaram se eu gostaria de ir antes ao banheiro para ajeitar o cabelo ou me arrumar de alguma maneira, e eu falei que não. Só tirei o boné, soltei o cabelo e falei: pode tirar.
Não tenho que ficar me arrumando para tirar uma foto para o crachá do trampo. Sei lá, pega a minha cara real, da hora do trampo, do jeito que eu estava. Não vou ficar editando a minha cara, já estou com o uniforme mesmo. Se é para eu ser a cara da empresa, que eu seja a cara que trabalha, não a que se arruma.
A foto saiu com um sorriso sarcástico, uma cara onde eu depois ri dela, pensando: caralho, que filho da puta!
Mas geralmente as minhas fotos de crachá e carteirinhas são zoadas mesmo, porque eu não fico tentando parecer algo. E isso me fez lembrar da carteirinha de estudante da faculdade (que não terminei). Foi basicamente a mesma coisa: chegaram um dia e falaram “vamos tirar foto”, e eu tinha esquecido completamente. Então tirei a touca que eu estava, era inverno, o cabelo saiu todo desgraçado, e me perguntaram se era aquela mesmo que eu queria. Eu só respondi: sim, mete essa aí mesmo.
O interessante é que, ao fazer isso, eu usei essa carteirinha vencida durante muitos anos, porque o pessoal olhava pra foto e olhava pra minha cara, e eu ali, sério, via a pessoa soltando uma risada e liberando a minha entrada. Basicamente só olharam a foto, pensando que sim, eu era o maluco que fez aquilo. Não olharam o nome, não olharam a validade, só a foto, deram risada e liberaram.
Mas voltando ao trabalho, com a foto tirada, eu não me preocupei mais. Foi aquela coisa meio de zoeira de setor com a foto de cada um, porque, bom, ninguém fica bem em foto 3x4, é fato. Algumas risadas e tudo volta ao normal.
Passadas algumas semanas, chegam os crachás. Nada demais, um crachá normal de empresa, que tem o nome, o cargo e o número do meu RG.
Coloquei ele no pescoço e voltei ao trabalho. Mais uma vez, comentários sobre as fotos, uma zoação básica entre todos, e minutos depois voltamos todos às nossas funções.
Um tempo se passa, e eu, a cada olhada, via o cordão e o crachá, pensando em algum motivo para ter essa identificação da empresa. Até que perguntei as funções do crachá.
Ele não abre portas.
Ele não limita acessos aqui (não tem setores onde os funcionários não podem entrar).
Devido ao número pequeno de funcionários, todos se conhecem.
Ninguém usa o crachá fora da empresa.
Não tem controle de acesso na entrada, só uma identificação visual que abre a porta — mas é pelo próprio interfone.
Ou seja, estou com um crachá faz meses que não tem função nenhuma, tanto dentro quanto fora da empresa. Já que, se for para identificar como funcionário, o uniforme já cumpre essa função.
Mas, de certo modo, eu entendo, porque deve ficar bonito todo mundo de crachá na foto oficial da empresa. Ou deve passar alguma credibilidade quando vem algum visitante e o diretor mostra os setores empolgado, e aí todos de crachá e uniforme, como uma família feliz.
Só acho que uma coisa que deve destoar do resto é o fato de, no meio de tudo isso, eu estar de uniforme, crachá e um boné da anarquia.
Mas pensando bem, não deve fazer diferença, porque já perdi as contas de quantas vezes me perguntaram onde eu comprei esse boné dos Avengers.
Música: Garotos Podres – Caminhando para o Nada


